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rui afonso: "há uma bolsa de músicos e amigos que são fragmentos, já tocaram com fragmentos"

trinta anos depois da ida à loja para comprar instrumentos e do primeiro ensaio, rui afonso, vocalista dos fragmentos, falou com a be wave dos primeiros ensaios, ao futuro dos fragmentos e do próprio rui afonso a solo.


* podes ver a entrevista aqui.


© be wave

como é que entra a música na tua vida?

entra normal. aos cinco anos meus pais disseram "olha abriu ali uma escola de música, queres ir experimentar?". depois fui sempre eu a puxar, porque quis sempre. até toquei primeiro bandolim, depois guitarra. cheguei ali a uma fase, quando tinha doze anos, que até já não queria estar na escola de música, que era só estudos clássicos e aquelas coisas, naquela idade da parvalheira. queria saber acordes, queria outras coisas, eles não estavam para aí virados, então sai e fui tocar com uma tuna com pessoal mais velho, terceira idade, e bandolim outra vez.

de uma maneira de outra, eu queria estar a tocar, queria estar a fazer coisas e por isso a música entrou de uma forma muito natural, mas só comecei a perceber que podia escrever, porque eu só canto porque escrevo... escrevi e depois fiz um acorde e outro e afinal até dava para fazer. mas isso é só com catorze, quinze anos.


e os fragmentos?

grupo de amigos, a coisa mais natural do mundo, só dois teriam formação musical. fomos comprar o material, mas não éramos músicos. faz trinta anos que compramos o material, não faz trinta anos que somos fragmentos. ou seja, era um grupo de amigos, quase todos da mesma idade, com diferença de um ano e que já estávamos juntos. eu experimentava as minhas músicas com eles e depois eles disseram "podíamos experimentar fazer isto". e experimentamos e começamos logo a andar. depois tocamos para os amigos e aquelas coisas normais. o círculo vai aumentando, vai aumentando...


quem eram essas pessoas? foram tomando caminhos diferentes?

era a minha irmã que tocava teclado na altura, era o namorado da minha irmã, que tocava bateria, o paulo fernandes, era o rui beirão, que também é amigo de infância, e era o miguel braga que, por acaso, também é de braga, que na adolescência começou a estar connosco. foi aí que dividimos os papéis e começamos a tocar. depois estivemos juntos todos até 98/99, quando fomos para gravar o disco. em estúdio não começou a sair como queríamos e aí as coisas não andaram. então fragmentamos. não foi cada um para seu lado, mas continuamos a amigos e a falar, mas aquele grupo em si parou mesmo.


mas as vossas músicas chegaram a passar em novelas...

é na segunda fase. ou seja, de 2001 a 2007 parou totalmente. em 2007, surgiu a oportunidade de gravar as músicas que não tínhamos gravado no disco que correu mal. estivemos a falar, e decidimos fazer um acústico, ao vivo, e gravar esse disco. foi aí que surgiu a oportunidade de introduzir uma música na novela e foi muito bom, correu mesmo bem. foi a mais uma vez. era uma música que aqui em guimarães já era conhecida, mas para o resto do público não era. fizemos essa fornada e, mais à frente, fizemos um ep de originais, com músicas que nunca tínhamos tocado e que já fazem parte agora do repertório, já com uma formação recente. eu costumo dizer que há uma bolsa de fragmentos. ou seja, há uma bolsa de músicos e amigos que são fragmentos, porque já tocaram com fragmentos. a ideia é mesmo esta, ter uma bolsa, porque eu tenho uma regra, até ver, que é: as músicas que nós tocamos como fragmentos são as músicas que já tocávamos como fragmentos. as pessoas vão ver aquilo que sabem que querem ouvir. é mesmo um remember isto. uma lógica de chamar ao nosso passado e às nossas vivências.

estamos sempre a pensar "se calhar está na altura de lançar outra coisa nova" e pode ser que seja este anos, pode ser que seja no princípio do próximo, mas nunca sei.


mas continuas a escrever?

sim, sempre. só que, às vezes, há aquela lógica de "fragmentos é isto". eu próprio também tenho receio de estar a baralhar muito o jogo. mas tenho vontade de fazer. se houver mais força com quem me acompanha, às vezes é alguém empurrar e tudo acontece.


voltando um bocadinho ao início, qual é que foi a vossa primeira música?

a primeira que eu escrevi, das que ainda cantamos hoje, acho que é a acreditar. solidão é das mais antigas também.


há alguma que tenha uma história engraçada?

a solidão tem uma história engraçada pelo que as pessoas dão à solidão e acho espetacular. porque quando escrevi a solidão, escrevi a lógica toda do "não te tenho aqui para me segurares a mão" e não sei quê. a lógica era um irmão mais velho, não era uma história de amor. e é espetacular, porque já ouvi de tudo. dizerem que a minha namorada se suicidou, porque a bala era perdida. ouve-se todo o tipo de história, mas tem piada isso. cada um assume a história que quiser, mas quando escrevi foi numa lógica de irmão mais velho.



qual é o truque, se é que há truque, para fazer com que as músicas durem tanto tempo e passem por tantas gerações?

não sei fazer isso. é mesmo um acaso. eu próprio digo muitas vezes, conheço muitos músicos que trabalham muito mais do que eu e que sabem muito mais do que eu, estou sempre a brincar com eles: "está aqui um gajo que sabe três acordes e vocês, para cantarem uma música vossa, é um problema". ninguém sabe dizer isso, acho eu. há aqueles métricas, mas eu como fiz aquilo tão jovem, foi na inocência total.

tinha uma coisa na minha cabeça, que é mesmo de inocente. eu gostava que a música fosse sempre cantada por alguém. eu cantava sozinho, mas imaginava povo a cantar. não sei se isso ajudou sempre a pensar na lógica mais melódica e mais fácil. mas eu sempre pensei "eu quero é ouvir os outros a cantar a minha música". depois perdi um bocado a inocência e comecei a usar outros truques, mas no princípio era mesmo direto. até levava a mal se me dissessem "muda esse acorde aí". foi assim que eu fiz, é assim que é. depois pronto cresci um bocado.


nesse sentido, e falando tu muitas vezes da questão dos grupos de amigos, do entra e sai das pessoas que acabam por ficar sempre, escrever e cantar é mais uma coisa que te satisfaz a ti ou é para satisfazer o público?

a mim. isso ainda não consegui, não consigo ter aquela lógica "olha, está aqui uma coisa mesmo espetacular para o pessoal cantar". é muito para mim, mas, por exemplo, se for para cantar como fragmentos, não me vejo a, de repente, "olha, vou mudar aqui tudo porque agora sou assim". vejo-me mais depressa a fazer um disco e chama-se rui afonso e é mesmo das mágoas de quem já tem 46 anos. já não é o miúdo com 18, 19 ou 20 que as letras de fragmentos são. na altura, parecia "como é que aquele chavalo percebe alguma coisa disto?". e agora, às vezes, eu próprio digo "como é que tu achavas isto?". era pura intuição. mas sempre por mim, começa por mim, para ser honesto. temos todos a ideia que se vende tudo e eu acho que o público é muito mais esperto do que as pessoas pensam, porque sabe logo dizer gosto ou não gosto.

se um artista for muito honesto, seja uma coisa mais popular, popularucha, pimbalhão, seja o que for, mesmo aí, se fores mais honesto, se fores mesmo igual a ti próprio, tens quase sempre sucesso, os outros são sempre copycat da coisa.


há planos para esse rui afonso a solo?

há sempre. esse vai ter que ser. tenho medo de morrer e não ter feito isso. acho que é mesmo importante para mim. sou muito preguiçoso, em geral, não sou muito de método, de acordar e escrever qualquer coisa que seja. isso funciona mesmo. conheço muita gente que faz isso e funciona, porque o motor está sempre a trabalhar. estás ali afinadinho e quando surge a ideia mesmo que tu queres, sai tudo mais rápido. eu não consigo ter esse rigor, é impossível mesmo. mas sei perfeitamente que há coisas que quero pôr cá fora e coisas que são do meu coração e opiniões sobre o mundo e aquelas coisas todas que quero cantá-las. isso vai ter que acontecer. agora, quando? é sempre a mesma incógnita. é quando deixar de ser preguiçoso.


acho que a solidão e a mais uma vez são, se calhar, as músicas que mais gente canta e mais gente conhece. o que é que sentiste quando caiu a ficha?

quando nós estávamos, vamos dizer, no auge, na rampa, prontinhos para dar o salto, que é mesmo essa a lógica - depois o salto é que não aconteceu -. mas quando estávamos prontos para dar o salto, a fazer a primeira parte de ornatos violeta, santos e pecadores, delfins, xutos e pontapés... estás mesmo ali na rampinha, vais dar o salto, agora é só gravar o disco e andar mais um ano ou dois vai ter que andar. essa rampa é que é o gosto todo do mundo, porque é com os amigos, tens aquele clã que anda sempre contigo, vais tocar... andávamos aqui, concelho de guimarães todo, íamos para braga, póvoa de lanhoso, viana, porto... andava ali um clã sempre connosco e depois aquilo crescia. essa parte é que é a melhor parte de sempre. depois, quando começas a ficar mais inteligente - que não é bem isso -, mas começas a ficar mais experiente, começas a perceber o jogo, começas a dar valor ao que é de dar valor e não te sobe à cabeça nada. sabes que aquilo é um momentozinho. foi espectacular a música entrar na novela, foi espectacular receber mensagens de mangualde... uma altura estava a estudar em coimbra e um amigo meu, de penalva do castelo, disse: "olha, uma namorada minha tem uma cassete e eu acho que és tu que estás a cantar". e eu "põe aí". e era eu. achei espetacular. não havia nada destas coisas, nem myspace ainda. essa fase acho que ninguém a paga. é aí que tu sentes que estás a chegar mesmo, de uma maneira até lenta, mas está a entrar por aí fora. não havia este rumo que as músicas agora têm, infelizmente, que é mastiga e deita fora. cada um lança uma música e vê se funciona. se não funcionar troca, mete outra. é o negócio que temos agora.


como é que sentes que está a cultura em portugal?

em portugal a cultura é mesmo escrava. nem sei o que lhe chamar, é mesmo fraco, não é? porque nem um por cento do orçamento vai para a cultura. ninguém consegue perceber como é que um país pode andar assim, mas pronto. já sabemos que vamos levar sempre na cabeça. depois, pior... reconhecimento a trabalhar é muito difícil. é muito difícil que as pessoas, como aqui, por exemplo, nos estão a dar valor, pedirem especialmente para que viéssemos nós. sentes que há aqui um trabalho todo e há um valor que nos estão a dar automaticamente por virmos cá. para muita gente que está a começar, hoje em dia, é "queres aparecer para te promover? anda, vais estar na primeira parte de não sei quem". isso assim nunca mais vai dar. estamos sempre a pisar uns nos outros.

em termos culturais, é mau. em termos musicais, especificamente, se formos falar de spotify, direitos de autor, então, isso é uma desgraça. o spotify, o que paga, é ridículo. podia ajudar. porque eu acho que essas coisas deviam, na base, estar feitas para ajudar os mais pequenos, não os grandes. os grandes depois até dizem, todos contentes, que vão lançar um disco de borla. "se tu lanças de borla, como é que eu vou pagar o meu?".


nesse sentido, são importantes estas festas, assim, em cidades e em terras mais pequeninas?

no nosso caso, eu digo quase que trabalhamos por encomenda, até, numa numa lógica muito aberta de perceber. os fragmentos é mesmo para criar aquela recordação, puxar à memória. já é um bocado aquela coisa dos pais que trazem os filhos: "era isto que eu ouvia". como não é um trabalho contínuo, nem temos essa intenção neste momento, trabalhamos à peça, logo sabemos que somos mesmo queridos. quem vem aqui hoje vem mesmo para nos ver. é espetacular, sabemos que estamos em casa.




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